Este trabalho discute a noção de violência normativa e sua centralidade na discussão que Judith Butler empreende sobre o problema das vidas não-realizáveis. Articulada com a noção de inteligibilidade como a capacidade de ser reconhecido como um sujeito–um agente, a violência normativa desloca nossa atenção da idéia de uma violência exercida sobre um sujeito pré-formado para uma violência que se dá “dentro” do processo de formação da subjetividade. Nesse sentido, podemos dizer que ela é uma violência “primária” na medida em que permite duas operações fundamentais: i. a existência daquilo que tipificamos comumente como violência e que se relaciona com o aparato jurídico, militar, político, cultural e as altercações físicas (violências derivadas), e, ii. o “apagamento” destas últimas. Ou seja, é a violência normativa que permite que o sujeito se submeta às violências do dia-a-dia, assim como a invisibilidade destas. Dois esforços são identificados como fundamentais na obra paradigmática, Gender Trouble (1990), com respeito à violência normativa: i. o de interromper a capacidade da violência normativa de permitir outras violências, e, ii. o de tornar essas outras violências visíveis quando ocorrerem. O esforço para “fazer a vida possível” mostra-se como uma empreitada teórico-política.
Judith Butler causou inúmeras confusões com a publicação de seu livro Gender Trouble em 1990. Centrado no objetivo de problematizar o gênero (que não é aquilo que previamente pensávamos que fosse), o livro ganhou fama, entre outros motivos, por ser um texto radical no sentido filosófico ao colocar questões inesperadas e novas, especialmente se considerarmos o contexto de sua publicação. Também radical no sentido político, o texto sugere possibilidades de escolha, ação e vida longe do mainstream heterossexual. Ao problematizar a distinção entre sexo e gênero que até então vinha sendo apregoada (sexo como natural, dado biológico, e gênero derivado do sexo e produto da cultura, da história, da linguagem e da política), Butler introduz a ideia de que o gênero emerge no mundo performaticamente inscrito nas práticas discursivas cotidianas, expressas e constituídas pelo vestuário, maneiras e comportamentos, de sorte que é somente dentro